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Conheça o OctoStudio, novo aplicativo de computação criativa

Em conversa com o Porvir, Natalie Rusk, pesquisadora do MIT nos Estados Unidos, avalia a evolução da aprendizagem criativa e detalha o funcionamento do aplicativo, que será lançado no Brasil em conferência em Minas Gerais

A CBAC 2023 (Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa), evento a ser realizado entre 12 e 15 de novembro, em São João del-Rei (MG), marcará o lançamento no Brasil do OctoStudio, um aplicativo voltado para a prática de aprendizagem criativa em dispositivos móveis. É o substituto do Scratch? Na verdade, não. Ambos vão coexistir. Uma das principais características OctoStudio é a capacidade de funcionar offline em celulares ou tablets. Uma vez instalado, não é necessário acesso à internet ou dados de rede.

Detalhes sobre o processo de desenvolvimento deste aplicativo foram compartilhados com o Porvir por Natalie Rusk, pesquisadora do MIT Media Lab, instituição onde surgiu a abordagem da aprendizagem criativa e o Scratch, principal ferramenta de computação criativa que possibilita que crianças e jovens criem histórias, jogos e animações.

Na entrevista que você lê a seguir, Natalie descreve como a aprendizagem criativa adquiriu novos contornos no Brasil, como essa abordagem interage com a tecnologia e apresenta o processo de desenvolvimento do OctoStudio, que passou por testes em escolas e instituições educacionais brasileiras ao longo do último ano.

Porvir – Ao longo dos anos, por meio de diferentes programas, diversos educadores brasileiros visitaram o MIT e trouxeram novas ideias para o Brasil. Como você descreveria as semelhanças e diferenças entre a aprendizagem criativa que teve origem nos Estados Unidos e se expandiu para outros países, incluindo o Brasil?

Natalie Rusk –
Quando cheguei ao MIT, Mitchel Resnick (atualmente professor e pesquisador da instituição) ainda era um estudante de pós-graduação. Seymour Papert (matemático, cientista da computação e educador, que passou a maior parte de sua carreira lecionando e realizando pesquisas no MIT) estava aqui, juntamente com outros no campo do construcionismo. Desde o início, sempre ouvi falar de José Valente (professor da Unicamp e referência no uso de tecnologia aplicada à educação). Para mim, sempre houve essa coevolução e aprendizado mútuo entre o construcionismo e a aprendizagem criativa.

Ao mesmo tempo, pude notar como, por meio do trabalho da RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa), o movimento cresceu e evoluiu desde os primeiros bolsistas no MIT. Essa jornada sempre foi projetada para ser de aprendizado mútuo. Esses educadores vinham para cá para conhecer como as coisas funcionam em diversos espaços, desde escolas até ambientes extracurriculares, e compartilhavam suas experiências pessoais sobre como as atividades de construcionismo e aprendizagem criativa eram exploradas em seus contextos.

Porvir – Como foi esse contato com os pesquisadores brasileiros?

Natalie Rusk –
Os educadores brasileiros nos trouxeram abordagens e exemplos diversos, como culinária e a importância de trabalhos artísticos. Lembro-me, no início, de aprender sobre a utilização de recursos prontamente disponíveis, como materiais reciclados. Mas não foi apenas isso. Brasileiros introduziram música e diversos elementos culturais, inspirando-nos constantemente. Também discutimos as perspectivas dos educadores, compreendendo que os desafios podem variar.

Acredito que existam, é claro, semelhanças entre os Estados Unidos e o Brasil, especialmente quando se trata das disparidades de recursos entre estudantes de escolas particulares e públicas. Ao mesmo tempo, há uma abundância de conhecimento e cultura que emerge em lugares, especialmente entre educadores, jovens e famílias em escolas públicas.

Porvir – Quais foram as principais trocas neste intercâmbio?

Natalie Rusk –
Como podemos aproveitar os recursos e conhecimentos existentes? Eu valorizava exemplos de como comunidades utilizam alimentos, arte e sua inventividade inerente. Como isso se manifesta de forma única na aprendizagem criativa, em eventos ou festivais de aprendizagem criativa? Muitos conceitos inovadores, como festivais centrados na invenção e criatividade (os FICs realizados em diferentes cidades), surgiram no Brasil.

Atualmente, nós e várias outras regiões do mundo estamos tirando lições desses conceitos. Isso é inovador porque oferece a educadores e comunidades a oportunidade de reconhecer como recursos locais podem facilitar a promoção da aprendizagem criativa. Sem falar que isso promove a coesão comunitária. Atualmente, muitas pessoas, de lugares como África do Sul e Estados Unidos, estão ansiosas para adotar esse modelo que floresceu a partir da RBAC.

Porvir – Como você caracterizaria a relação entre aprendizagem criativa e tecnologia? Quando algumas pessoas ouvem falar do Scratch, automaticamente o associam ao MIT. No entanto, na minha perspectiva, a aprendizagem criativa se expandiu para além disso. E para você?

Natalie Rusk –
Uma das inovações cruciais no início da RBAC foi a visão do Leo Burd (também pesquisador do MIT e coordenador da RBAC) e de outros colaboradores, que reconheceram os riscos de simplesmente lançar uma iniciativa Scratch no Brasil. O perigo era que as pessoas se envolvessem tanto na tecnologia que negligenciassem as filosofias fundamentais, metodologias e oportunidades de aprendizado.

Como criadores do Scratch, recentemente discutimos isso: às vezes, as pessoas podem adotar uma abordagem restrita, perdendo a visão geral. A essência não se limita à programação, e testemunhamos inúmeras ocasiões em que jovens compreenderam conceitos como resolução de problemas, criatividade e colaboração. No entanto, é crucial entender que não se trata apenas da ferramenta em si, mas sim de como ela é introduzida e do contexto de aprendizagem.

Porvir – E qual a contribuição da RBAC nesse sentido?

Natalie Rusk –
A inovação fundamental da RBAC foi afastar-se de ser apenas uma “iniciativa Scratch no Brasil” e, em vez disso, defender uma “iniciativa de aprendizagem criativa”. O foco estava nos 4 Ps: projetos, paixão, pares e pensar brincando. A aprendizagem criativa envolve trabalhar com o que se tem, enfrentar desafios e evoluir, em uma jornada que abrange ideação, resolução iterativa de problemas, colaboração, feedback e reflexão.

Porvir – Como podemos entender o papel da tecnologia nesse processo?

Natalie Rusk –
A tecnologia oferece vantagens, mas também tem limitações. Seguindo a tradição do Logo, que tem raízes profundas tanto no Brasil quanto aqui, a maneira como projetamos o Scratch está centrada na resolução de problemas e na depuração de erros. As tecnologias e linguagens de programação, como o Scratch, são estruturadas para nos permitir externalizar nossos pensamentos. Fazemos hipóteses, implementamos e depois observamos os resultados, ajustando conforme necessário. Em vez de receber orientações explícitas sobre o que é “certo” ou “errado”, aprendemos fazendo e observando.

Muitos jovens compartilharam conosco como essa abordagem permite que vejam os resultados de suas ações e, assim, aprimorem sua aprendizagem. Desenvolvem novas ideias a partir do feedback que recebem, seja pelos resultados diretos de seu código ou por meio do compartilhamento e colaboração com colegas. Esse tipo de feedback entre pares frequentemente desencadeia comentários como “Oh, não tinha considerado esse ângulo”. Tudo se relaciona com o processo iterativo e a resolução de problemas.

Muitas das tecnologias que utilizamos são intencionalmente projetadas para fortalecer esse tipo de aprendizado. No entanto, a aprendizagem não precisa ser centrada na tecnologia.

Porvir – Poderia exemplificar?

Natalie Rusk –
Recentemente, conversei com uma educadora no Egito que observou que crianças que vivem em áreas rurais demonstram notável criatividade, mesmo com recursos limitados. Dominaram a arte de inovar e solucionar problemas com o que têm à disposição.

Na conversa, a professora reconheceu as vantagens potenciais da tecnologia, mas também destacou suas limitações – o risco de se concentrar demais nas telas e negligenciar o ambiente e as conexões humanas. Em algumas regiões do Brasil, por exemplo, as pessoas podem ter telefones celulares, mas não suprimentos básicos como papel e lápis.

Porvir – Quais atividades você recomendaria para professores que estão começando sua jornada na aprendizagem criativa?

Natalie Rusk –
Dentro do portal da RBAC, fico sempre impressionada com as novas atividades compartilhadas por educadores brasileiros.  No Scratch, uma introdução envolvente é animar o próprio nome. É essencial começar com algo que seja pessoalmente significativo, como um animal favorito ou até mesmo as letras do seu nome. Construir a partir da experiência pessoal dos estudantes é fundamental tanto nas ciências da aprendizagem quanto no construcionismo.

Iniciar projetos baseados nas paixões de cada um faz com que o processo ressoe. Para educadores, refletir sobre algo que gostava muito de fazer durante a infância pode ser um catalisador. Para crianças, questionar sobre seus hobbies favoritos ou personagens pode estimular a criatividade. Usando materiais disponíveis, eles podem então criar e compartilhar essas representações. No Scratch, o ato de animar um nome ou um personagem não apenas aproveita a familiaridade, mas também introduz a resolução de problemas.

Porvir – Como o retorno avaliativo promove a criatividade?

Natalie Rusk –
À medida que as criações são compartilhadas, o feedback recebido frequentemente proporciona novas perspectivas, promovendo a espiral da aprendizagem criativa. Este ciclo contínuo pode levar a novas ideias e caminhos.

Um conceito que chamou minha atenção no site foi a observação da transformação de um lugar – seu passado, presente e futuro (a atividade está disponível no e-book feito pela RBAC). Essa abordagem favorece habilidades de narrativa ao mesclar imaginação, história e apreciação cultural. Independentemente de você usar materiais simples ou plataformas como o Scratch, o objetivo permanece o mesmo. Considere o potencial de combinar elementos físicos e digitais, como criar um diorama (tipo de maquete) que ganha vida com a robótica.

Porvir – Como é o novo aplicativo de computação criativa que será lançado na Conferência de novembro?

Natalie Rusk – Trata-se de um novo aplicativo gratuito de computação criativa projetado com base nos mesmos princípios da RBAC e nos “Ps” da aprendizagem criativa. Nós o desenvolvemos principalmente a partir de retornos vindos do Brasil, que pedia algo para dispositivos móveis que também pudesse funcionar offline. Recebemos pedidos semelhantes de todo o mundo. Foi uma colaboração próxima com a RBAC.

Realizamos muitos workshops com protótipos no Brasil e em outros lugares. O novo aplicativo será gratuito e separado do Scratch. Ao considerarmos o espaço de tela menor de um telefone, optamos por uma abordagem minimalista. No entanto, à medida que recebíamos feedback, continuamos a adicionar recursos. No início do desenvolvimento, discutimos o uso dos sensores do telefone, o que levou a recursos como agitar o telefone para desencadear uma ação.

Além desses, você provavelmente já deve ter usado outros sensores, como o de luz ambiente (que regula o brilho da tela), o de impressão digital e o de reconhecimento facial.

Porvir – Na prática, como funciona?

Natalie Rusk –
As pessoas querem que seus telefones respondam de maneiras táteis, como vibrações, por isso, os telefones e tablets pareciam uma boa escolha. Embora haja semelhanças com o Scratch, como animação e desenvolvimento de jogos, aqui tentamos simplificar ainda mais para tratar algumas das dificuldades enfrentadas por iniciantes no Scratch. Usar os dedos diretamente na tela às vezes torna as coisas mais intuitivas e garantimos que o aplicativo suporte vários idiomas, incluindo o português. Além disso, cada bloco possui um ícone junto com o texto.

Esse auxílio visual ajuda os usuários mais jovens, especialmente aqueles que ainda estão aprendendo a ler. Eles podem reconhecer e entender a função do bloco com base no ícone, tornando a programação mais acessível. Outro recurso é a capacidade de capturar fotos, permitindo que os usuários integrem seu ambiente diretamente em seus projetos.

Porvir – Há grande semelhança com um telefone, não?

Natalie Rusk –
Projetamos o aplicativo considerando tanto as limitações quanto as vantagens dos telefones. Qualquer pessoa familiarizada com o Scratch notará semelhanças. Um recurso de destaque é a possibilidade de salvar projetos como vídeos para compartilhar em plataformas como o WhatsApp. Isso foi um feedback que recebemos do Brasil.

Também incorporamos imagens de várias partes do Brasil, garantindo representatividade cultural. Sons, como um loop de samba, foram incluídos, e até recebemos sugestões sobre o som certo para uma bola de futebol.

Porvir – Qual foi o papel das crianças ao longo do período de teste e desenvolvimento do aplicativo?

Natalie Rusk –
As crianças desempenharam um papel essencial durante o período de teste e desenvolvimento do OctoStudio. Elas têm ideias incrivelmente criativas, e nós estávamos abertos ao feedback delas. Suas sugestões, como a adição de um recurso de lanterna, foram inestimáveis. Também fizemos ajustes com base em seus comentários. Por exemplo, adicionamos ícones às caixas de diálogo para ajudar as crianças que estão aprendendo a ler.

Embora os usuários experientes do Scratch notem rapidamente o que está faltando no novo aplicativo, eles também podem apreciar as características exclusivas que ele oferece. As duas plataformas se complementam. Enquanto o novo app é móvel e amigável para iniciantes, o Scratch oferece recursos mais avançados.

O mais importante é que os princípios fundamentais permanecem os mesmos. Ambas as plataformas enfatizam a aprendizagem criativa, incentivando os usuários a experimentar sem o medo de se deparar com mensagens de erro. Essa abordagem pode aumentar a confiança criativa.


Porvir – Qual é a faixa etária recomendada para o uso do novo aplicativo? Após a pandemia, as famílias estão sempre preocupadas com o tempo de tela.

Natalie Rusk –
Estamos debatendo isso. Um de nossos colegas sugeriu que deveríamos chamar o OctoStudio de “multigeracional” porque é realmente divertido quando as famílias criam juntas. Portanto, estamos sugerindo a partir dos 7 anos. Minha colega Rupal Jain, que atua no projeto, tem uma filha ainda mais nova, de cinco anos, que em vez de perguntar: “Posso jogar um jogo?” ou “Posso assistir a um filme no seu telefone?”, agora pede: “Podemos criar um projeto?”

A partir de agora, enquanto esperam no consultório médico ou no ponto de ônibus, elas podem decidir tirar uma foto ou criar algo. Ela considera isso como tempo criativo em vez de tempo de tela. E o que elas podem criar com base no que observam ao seu redor ou criar do zero. E então, ser capaz de inserir sua própria voz, gravar a voz e compartilhá-la com parentes.

Porvir – Poderia compartilhar um exemplo?

Natalie Rusk –
Um exemplo que fizeram juntas foi gravar a voz de seu bicho de pelúcia favorito, um urso com uma mochila. Toda vez que você o sacode, ele diz algo diferente. Estamos nos esforçando para mudar a perspectiva de tempo de tela para tempo criativo. Essa ideia de usar a conexão físico-digital é algo que fomos influenciados pela RBAC, o que nos permite incorporar o aplicativo em criações feitas de papelão ou outros materiais reciclados. A tecnologia se torna uma janela para uma cena ou um componente interativo de uma criação física.

Desde o início, o foco foi aproveitar os sensores incorporados aos telefones (leia mais sobre o assunto no bloco ao final do texto). Esperamos expandir isso, mas atualmente, você pode usar recursos como inclinar para jogos ou ímãs para acionar ações. Isso introduz novos caminhos para a criatividade físico-digital e solução de problemas.

Porvir – Quais são suas expectativas para a conferência que será realizada no Brasil?

Natalie Rusk –
Estou muito animada em ter a chance de conhecer muitos dos educadores com os quais tenho aprendido e visto em ação com crianças, famílias e colegas. Algumas pessoas das quais aprendi muito visitaram nosso local, enquanto outras tive contato apenas remotamente por meio do portal e de conferências online. Vê-las nas escolas, em centros informais e conhecer os espaços e a comunidade em geral é incrivelmente gratificante.

Este encontro reúne educadores de todo o Brasil que estão envolvidos na aprendizagem criativa, desde aqueles que estão começando até os mais experientes, como você mencionou. Também temos colaborado com educadores de outras partes do mundo, o que tem sido uma experiência enriquecedora.

Teremos um espaço onde as pessoas poderão se aproximar, compartilhar suas experiências, ideias e sugerir funcionalidades adicionais que gostariam que o OctoStudio tenha no futuro. O aplicativo ainda está evoluindo. Estamos lançando-o, mas sabemos que há outras funcionalidades que as pessoas gostariam de ter e mudanças a serem feitas. Por isso, estou ansiosa para ver como as pessoas estão usando o OctoStudio, vê-lo em ação, aprender com suas experiências e me envolver com a comunidade de educadores, administradores, famílias e todos aqueles interessados na aprendizagem criativa no Brasil.

Este foi um esforço coletivo que teve origem na comunidade, e temos recebido apoio de gestores. É algo que pessoas ao redor do mundo estão aprendendo e se interessando. A abordagem da RBAC é tanto de cima para baixo quanto de baixo para cima, o que a torna uma iniciativa dinâmica e poderosa.


Você conhece os sensores dos celulares?

Os celulares modernos reúnem vários dispositivos em um só corpo graças aos sensores. Conheça alguns: 

Acelerômetro: mede a aceleração do dispositivo e é usado para detectar mudanças na orientação do telefone. Isso é usado em jogos, aplicativos de realidade virtual ou simplesmente alternar entre os modos de retrato e paisagem.

Giroscópio: mede a orientação e a rotação do dispositivo. Isso é usado para melhorar a precisão de jogos, aplicativos de realidade aumentada e para a estabilização de fotos e vídeos.

GPS (Sistema de Posicionamento Global): permite que o telefone determine sua localização precisa usando sinais de satélite. É fundamental para serviços de mapeamento, navegação e geolocalização.

Além desses, você provavelmente já deve ter usado outros sensores, como o de luz ambiente (que regula o brilho da tela), o de impressão digital e o de reconhecimento facial.

Fonte: Portal Porvir - Vinícius de Oliveira

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