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O que não pode ficar de fora do planejamento da gestão escolar em 2024?

Formação de professores, diálogo entre escolas e famílias, apoio à saúde mental de educadores e alunos. Especialistas ouvidos pelo Porvir abordam temáticas que devem estar nas reuniões de planejamento da gestão para o novo ano letivo

Inúmeros estudos e pesquisas apontam que a saúde mental dos professores representa um desafio para o setor educacional. Segundo o livro “Trabalho e saúde dos professores – precarização, adoecimento e caminhos para a mudança”, recém-lançado pela Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho) e disponível para download gratuito, as principais causas de afastamento recentes estão relacionadas a questões como síndrome de burnout, estresse e depressão. Já a pesquisa “Saúde Mental dos Educadores 2022”, realizada pela Nova Escola em parceria com o Instituto Ame Sua Mente, mostra que passou de 13,7% para 21,5% o percentual de educadores que avaliam sua saúde mental como ruim ou muito ruim.

O bem-estar docente é um entre muitos desafios que devem ser observados e abordados durante a fase de planejamento para o novo ano letivo.

“A escola tem um funcionamento sistêmico; é composta de vários elementos que constituem um sistema integrado para obtenção de resultados. Isso significa que não adianta cuidar do relacionamento com a família, por exemplo, mas descuidar da colaboração em equipe”, avalia Roberta Panico, diretora-executiva da Comunidade Educativa CEDAC.

A despeito de escolas da rede privada e pública contarem com particularidades de seus respectivos contextos, algumas questões devem ser observadas por todos os gestores e gestoras. Roberta aponta que é necessário refletir sobre as propostas de ensino e sobre as aprendizagens efetivamente realizadas pelos estudantes, algo que nem sempre é observado apenas nas provas e avaliações, mas no acompanhamento constante de processos realizados ao longo do ano letivo.

“Qualquer planejamento do próximo ano precisa partir da reflexão sobre as condições de ensino oferecidas e os resultados delas nas aprendizagens dos estudantes nas suas mais diferentes dimensões: cognitivas, procedimentais, atitudinais e emocionais”, defende.

Convivência escolar como fator de atenção 

É quase intuitivo afirmar que, diante de um cenário de repetidos ataques a escolas que aconteceram ao longo de 2023, os temas relacionados às questões socioemocionais estarão presentes nos planejamentos para 2024. Para Roberta, tudo se resume a um debate aprofundado e intencional sobre convivência escolar. Segundo a diretora, a escola deve se organizar em suas diferentes dimensões para garantir um bom clima para uma convivência sadia, produtiva e colaborativa entre estudantes, entre estudantes e professores, entre estudantes e demais funcionários, entre equipes, com as famílias e sua comunidade.

“Sentir-se bem, ser acolhido e respeitado na sua individualidade num ambiente de respeito à diversidade é fator primordial para a melhoria das aprendizagens e desenvolvimento dos estudantes e da sua equipe. Essa preocupação com a convivência e clima escolar deve ser constante, e os últimos acontecimentos têm apontado que muitas vezes temos deixado isso de lado. Precisamos considerar que os tempos mudaram e, portanto, as necessidades também mudaram.”

É nesse contexto que Roberta enfatiza que toda a equipe escolar seja incluída no processo de refletir sobre a cultura de funcionamento e relacionamentos na escola, com o objetivo de não naturalizar comportamentos que devem ser acompanhados de perto. “O PPP [Projeto Político Pedagógico] precisa prever propostas práticas, como atividades permanentes, pois na maioria das escolas a atenção ao convívio só aparece quando existe um problemão e as atitudes geralmente são bronca e suspensão, e o problema é repassado para as famílias. É preciso pensar em ações e propostas concretas e cotidianas.”

Alguns exemplos de estratégias que podem ser adotadas ou fortalecidas no espaço escolar para colocar em prática uma gestão democrática e debater a convivência de forma recorrente são as assembleias e as rodas de conversa, com o objetivo de encontrar, de forma colaborativa, caminhos para solucionar problemas coletivos – os individuais devem ser tratados em momentos particulares – e para a construção de relações mais saudáveis na escola. Outra possibilidade, segundo Roberta, é a construção compartilhada e com engajamento dos alunos do regimento escolar, com o objetivo de aumentar a aderência às recomendações

Para Oswaldo Dalpiaz, presidente do Sinepe (Sindicato do Ensino Privado) do Rio Grande do Sul, trata-se de criar uma cultura de segurança nas escolas, para que a preocupação seja responsabilidade de todos, e não apenas da direção escolar. “Não basta se preocupar apenas com os aspectos externos: guardas, catracas, câmeras, mas criar um ambiente onde as pessoas tenham a sensação da segurança por meio da acolhida, do cuidado, da atenção, da preocupação”, enumera.

Planejamento estratégico 

Adaptações e melhorias no ambiente escolar têm como ponto comum o aprofundamento do planejamento estratégico da instituição, que justifica a importância dessa etapa de reuniões e alinhamentos para planejar o ano letivo seguinte. Considerando que cada escola tem suas facilidades e dificuldades de acordo com o contexto em que se insere, Oswaldo reforça a importância de, durante o planejamento, compreender o propósito da escola e, com isso, elaborar formas de elaborar processos que ajudem a alcançá-lo.

“A escola deve ter a preocupação de entregar o que prometeu quando foi procurada. Se prometeu aulas dinâmicas, isto deve ser percebido pelos alunos e pais. E isso é válido para todos os alunos, não só para os novos, que devem ser integrados à escola desde o primeiro dia para que sua adaptação seja feita o mais breve possível e não se sintam estranhos no novo ambiente.”

Inclusão em foco

José Antonio Figueiredo Antiório, presidente do Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo), chama a atenção para o fato de que pais, mães e responsáveis passam cada vez mais tempo fora de casa, e seus filhos permanecem cada vez mais tempo na escola. Redobrar a atenção para questões comportamentais no ambiente escolar também precisa estar no radar da gestão.

“Conheço escolas de boa qualificação, mas que os estudantes não respeitam mais o professor ou a direção. É um trabalho hercúleo de acompanhamento pedagógico e psicológico, e também de terapias diversas, para que os alunos estejam em condições de responder na área educacional e os professores, por sua vez, estejam aptos a poder ensinar em suas disciplinas.”

José Antonio também destaca a importância de uma relação de parceria e respeito com a comunidade na qual a escola está inserida. “Precisamos sentir o que a comunidade precisa para que possamos montar um planejamento baseado nessas necessidades.”

Oswaldo complementa que ao defender que a relação entre famílias e escolas é, de fato, um desafio, e que, para que seja endereçado, é fundamental que exista abertura e disposição dos dois lados.

Atenção aos educadores 

Como mencionado no início da matéria, o corpo docente constitui um dos principais pontos de atenção no ambiente escolar.

Quando o assunto é formação dos educadores, é fundamental investir em capacitações, cursos e momentos de trocas de experiências que podem ajudar, por exemplo, no enfrentamento de situações de violência no ambiente escolar. Para Oswaldo, ao oferecer formações e acompanhamentos a seus educadores, as escolas devem se atentar a dois aspectos principais:

Oferecer oportunidades para que os profissionais se tornem educadores profundamente humanos, capazes de administrar suas habilidades e competências socioemocionais e de seus alunos

Incentivar a equipe para que se torne tecnicamente capaz, com domínio do conhecimento nos componentes curriculares em que leciona e conhecimento para ensiná-los pedagogicamente a seus alunos

Ano de mudanças 

Com os preparativos para as mudanças do ensino médio e no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que devem acontecer, de acordo com o ministro da Educação Camilo Santana em 2025, o planejamento escolar do ano que vem deve considerar esse cenário. A tecnologia é outro ponto que deve permanecer em destaque na agenda da gestão.

Para Oswaldo, ser sensível aos avanços do mundo digital é fundamental para escolas que desejam manter-se atualizadas. “O foco sempre será a educação e aquisição de conhecimento. A tecnologia digital, equilibradamente utilizada, tem se mostrado um meio muito adequado para isso. Abrir-se às possibilidades que o mundo digital oferece é estar atento a mais e melhores maneiras para que o processo de ensino-aprendizagem aconteça. O desafio está em capacitar os professores para que utilizem esses meios de acordo com os valores e os princípios presentes na proposta pedagógica da escola.”

Conceitos essenciais 

Considerando que a gestão escolar é responsável por coordenar diferentes frentes concomitantemente, o livro “Direção para Novos Espaços e Tempos da Escola – Como diretora e diretor podem atuar para uma gestão escolar com equidade” (organizado por Roberta Panico e Tereza Perez e disponível gratuitamente para download) apresenta dez conceitos que diretoras e diretores devem observar na escola.

Entre eles está, por exemplo, a importância de promover uma educação inclusiva, que considera que os indivíduos têm singularidades nos aspectos sociais, emocionais, físicos e intelectuais, bem como o exercício da empatia, do trabalho na busca pela equidade, entre outros pontos.

Roberta aponta que são conceitos que devem ser desenvolvidos profissionalmente por todos os educadores e funcionários da escola e que, por isso, gestores e gestoras devem estar atentos ao desenvolvimento da equipe em todas as situações cotidianas, o que engloba desde o planejamento de uma aula pelo professor, até a forma como se serve a alimentação aos estudantes, por exemplo, ou a organização do tempo e espaço para a realização das atividades.

Em termos de questões que ainda se apresentam como desafios às escolas, Roberta aponta a garantia e observação da equidade em todas as relações e decisões.

“É preciso conhecer todos e cada um na sua diversidade, respeitá-la e adaptar regras e condições às suas necessidades e possibilidades, identificando o que pode ser comum e o que não pode. São ações diferentes em busca da igualdade de direitos, não há uma solução única para todos. Isso não é fácil no cotidiano escolar, ainda mais em escolas de grande porte e pouca visibilidade aos estudantes.”

Em resumo

Algumas questões que devem ser abordadas no planejamento para o ano letivo de 2024 de acordo com os especialistas ouvidos pelo Porvir

– Pensar a alfabetização/práticas de leitura e escrita dos estudantes ao longo da escolaridade, e não somente no 1º, 2º ano e 3º ano dos anos iniciais do ensino fundamental;
– Superação da insegurança curricular criada com a necessidade de dar continuidade da implementação do Novo Ensino Médio e, ao mesmo tempo, ao estudo da adaptação ao novo projeto que o governo está propondo;
– Uso e aplicação da inteligência artificial nas atividades pedagógicas;
– Inclusão;
– Preocupação com a segurança;
– Capacitação dos professores para atender às novas tendências culturais e educacionais dos alunos e da sociedade.

Fonte: Portal Porvir - Maria Victória Oliveira

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